quinta-feira, 7 de julho de 2011

CARTA DE UM CÃO ACORRENTADO

Querido dono,

Consegui que escrevessem esta carta por mim. Nem sabes a alegria que
sinto por poder me comunicar contigo. Todos os dias, desde aquele dia
longínguo em que me colocaste a corrente no pescoço e me prendeste neste
espaço, eu sonho que me vens visitar e fazer festinhas como me fazias
quando eu era um bebê. Eu sonho que vens conversar comigo, não entendo
bem o que me dizes, mas nem imaginas como adoro ouvir o som da tua voz.

Eu sei que fiz algo de errado, senão certamente não me terias colocado aqui. Desculpa!

Não quero ser exigente, mas começa a doer ter esta corrente atada ao meu
pescoço. Às vezes tenho o pescoço dormente e outras vezes tenho muita
comichão e nem consigo coçar! Sinto o seu peso todos os dias, o peso da
solidão que me prende.

Tenho vontade de esticar as pernas e correr e como eu gostava de poder
fazer isso contigo. Adorava que me atirastes umas bolas, aí eu podia
mostrar-te como sou rápido a correr e como as trazia rapidamente para
ti. Gostava de poder ver o que tu vês. O mundo lá fora é muito grande! E
existem outros como eu ? Ás vezes tenho sede e alguma fome, mas eu
aguento em silêncio porque sei que assim que podes vens cá dar-me
comida e água. Sei que fazes o que podes. Não quero incomodar, mas
sabes, por vezes gostava de ter um pouco da tua companhia.

Sei que talvez alguem te tenha dito que eu não tenho sentimentos, mas
olha que é mentira ! Nem imaginas quanta alegria sinto quando alguem me
toca ou se dirige a mim. Nem sabes quanta tristeza e solidão pesa em
mim nas longas horas que não vejo ninguém. Nem sabes o medo que por
vezes sinto no inverno aqui sozinho e tenho tanta vontade de estar perto
de ti.

No outro dia passaram aqui umas pessoas estranhas, e puseram-se a olhar
cá para dentro e a apontar para mim, riam e atiravam umas pedras na
minha direção. Queriam vir fazer-te mal. Acertaram-me com uma pedra na
pata e ontem não consegui levantar-me. Mas eu afugentei-as logo com o
meu ladrar. Eu não quero que ninguém te venha fazer mal...e não quero
que te zangues comigo. Prometo fazer melhor por ti.

Sou teu amigo mais fiel, nunca te irei trair. Não guardo rancor e
não tiro nunca o lugar de ninguém. Será que tens mais amigos assim no
teu mundo? Só queria um pouco mais da tua atenção e amor. Uma cama
quente no inverno. Um local fresco no verão e teu cheiro a entrar-me
nas narinas todos os dias, seguido de um sorriso e festa no meu
velho lombo.

Sei que um dia tu irás chegar aqui e tirar a corrente e dar-me tudo
isso. Até lá, fico quieto à espera. Só não demores muito meu dono,
porque estou a ficar velho e começo a ver e ouvir mal. Faltam-me forças e
não quero ir, sem viver um pouco contigo.

Do teu cão.

Um comentário:

  1. Triste... Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós... Liberdade...ainda que tardia...

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